domingo, 16 de novembro de 2008

Brincando com o Tempo



Paulo Henrique de Oliveira



Lá estava eu. Sentado entre almofadas e panfletos, luzes rasgavam o véu invisível entre eu e um tablado de madeira marcado pelo tempo, um tablado em que demasiados artistas gastaram e aproveitaram seu tempo. Para minha própria surpresa eu estava no teatro.

Teatro, uma palavra esquecida por muitos de nós do passado, digo passado, pois quando estiveres a ler esta carta, já estará no futuro, em verdade, caminhando rumo a ele.

A palavra teatro me soava à peças infantis que não adentraram minha alma quando eu era pequeno, recordava-me meu herói Cyrano de Bergerac, e me fastidiava ao lembrar do rococó de nobres que se lambuzavam com palavras ocas e vãs. Soava-me à Revolução, a franceses e ingleses almofadinhas que sugaram o néctar da vida de tantos autores e artistas sem assimilá-los...

Nesse desvario meu irromperam vocês, do Teatro Brincante, com seus pés descalços e roupas multicoloridas, com um som que me pedia que eu me sentasse, pois algo grande estava por vir.

Sentei e olhei ao meu redor. Meu olhar deparou-se com uma velha sentada ao corner do palco, perdida no silêncio que é próprio de sua idade, mas que hora sim hora não cutucava um meninote para que agisse a tempo. Bonito, não? Como os mais velhos só precisam apontar para uma criança e ela obedece sorridente, pena que muitos de nós perdemos essa alegria com o passar dos anos.
Observei atentamente como vocês faziam soar seus corpos como instrumentos que Deus lhes deu. Vi um irmão nordestino contar-me sobre o nascimento do tempo, como ele corre, não para...não espera.

“Temos nosso próprio tempo”, dizia Renato Russo. Será verdade? É mesmo nosso? Por que se esvai então de nossas mãos como água?

Músicas alegres deram continuidade ao espetáculo até que surgiu Flora, uma garota do futuro que tentava criar elo conosco, no passado. E para meu grande espanto o conseguiu com uma delicadeza e uma sutileza como há anos eu não via.

Minha amiga Ana Luisa também entrou, vestida de sol, a cantar com o timbre doce de um anjo, deixando-nos estupefatos enquanto a luz minguava sobre ela. Seguiram-lhe homens amarrados em bonecos, e uma moça, solitária, em busca de um par que não chegou, que não encontrou, ao menos por enquanto.

Um rapaz de cabelo angelical contorceu-se ao ritmo de uma melodia triste, esperançosa por certo tempo, depois correu desesperado, na vã ilusão de alcançar o que não se pode alcançar, de almejar o que talvez não devêssemos almejar. Passaram-se alguns instantes e uma moça delicada e divertida ao melhor estilo Chaplin fez sorrir e sangrar minha alma com sua performance, em que demonstrava como envelhecemos e como isso nos aborrece, mas ao final, termina-se sempre com esperança, na alegria pelas coisas pequenas, como a chuva que lhe molha o semblante.

Antes dela, se não me falha a memória, Carolina adentrou aos salões mais obscuros de minha mente e coração ao demonstrar que se não aproveitamos o tempo, ele se aproveita de nós, e nos faz criar raízes onde não deveríamos nos arraigar.

Uma chuva de guarda-chuvas coloridos de todo tipo e espécie varreu o salão após a garota-Chaplin sair dançando, fazendo-nos esquecer por um momento a melancólica canção entoada por todos, em especial por quatro moças, na qual foi-me marcado com fogo uma coisa: que eu posso amar, ainda que de longe.

O show terminou com um reboliço entre espectadores e artistas que dançavam, riam e corriam alegremente, sem ver o tempo passar, como se ele não estivesse presente.

Alegria. É disso que vou me lembrar sempre que ouvir a palavra teatro e é por essa alegria que lhes escrevo agradecendo. Alegria é como amor, uma palavra doentia, que contagia até mesmo os que pensam se verem livres dela. Logo, em poucas semanas seu show terá terminado e o tempo lhes sorrirá com novas oportunidades. Agarrem-nas com vigor, pois a alegria que vocês promovem trespassa o tempo, ela perdura em cada alma que vocês tocam...

Em nome de todos os seus espectadores, futuros e passados, eu lhes agradeço. Tenham a certeza de que estarão sempre em minhas orações, pelo tempo que Deus quiser me conceder.



PS: O Teatro Brincante seguirá com essa linda peça “No Tempo” por mais duas semanas, aos sábados às 21:00 horas e aos domingos às 20:00 horas. Venham e tragam seus filhos, porque além de aproveitar seu tempo, vocês aprenderão a brincar com ele.


O Instituto Brincante
apresenta :
" No TEMPO" *
O Espetáculo multidisciplinar de música , dança e teatro
De 15 a 30 de novembro
Sábados, às 21, domingos às 20h

(*) Este espetáculo é resultado do Curso de Formação de Educadores Brincantes 2007/08, desenvolvido nas dependências do Instituto Brincante,com patrocínio do Instituto Votorantim e traz para o palco 23 jovens que coletivamente criaram coreografias, cenários, textos e figurinos.
Ingressos: 10 e 5 reais